O filho deTibério Júlio Abdes Pantera

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Quem era a mulher adúltera de João 8?

A crença no nascimento ilegítimo de Jesus é tão antiga que teria sido registrada no Evangelho de João (escrito por volta do ano 90 do primeiro século).

Ali (capítulo 8, 31ss), Jesus trava um diálogo tenso com seus opositores sobre o fato deles descenderem de Abraão, que é caracterizado como pai deles.

No v. 39, Jesus questiona se eles são realmente filhos de Abraão, já que não praticam obras dignas deste, e, no v. 41, começa a apontar sarcasticamente o verdadeiro pai deles, a saber, o diabo (veja o v. 44). Isso faz “os judeus” protestarem: “Nós não nascemos da prostituição.” (Jo 8,41). Muitos exegetas veem aqui um argumento ad hominen contra Jesus, pois o que os judeus estavam dizendo era: “Nós não nascemos da prostituição, mas tu sim.”. O uso enfático do pronome grego “nós” (em oposição) permite essa interpretação.

Embora a maioria dos manuscritos mais antigos do Evangelho de João não contenham o texto de João 7:53 a 8:11, onde aparece o relato sobre “uma mulher surpreendida em adultério” (8:3), muitos estudiosos entendem que esse relato pode realmente descrever um incidente genuíno na vida do Jesus histórico, e que a provocação se deu em razão dos rumores de que ele era filho adulterino.

No século II d.C., Celso, um filósofo anti-cristão registrou o relato que o pai de Jesus seria um soldado romano chamado Pantera. As opiniões de Celso forçaram uma resposta do apologista cristão da época, Orígenes, que afirmou ser a história uma farsa (Contra Celso, I, 28.32.69, c. 248 d.C.).

O mais interessante, entretanto, é que em alguns escritos patrísticos “Pantera” é realmente reconhecido como nome de um dos ascendentes de Jesus, na verdade, seu avô, que se chamaria Jacó “Pantera” (Epifânio, Panarion [Adv. Haer.], III, lxxviii, 7; PG 42, 708D; João Damasceno, c. 740).

Embora essa designação não identifique necessariamente Jesus como ilegítimo, é difícil dissociar o nome do relato de Orígenes a respeito de uma narrativa judaica do adultério entre Maria e um soldado romano de sobrenome Pantera.

Talvez por isso, desde cedo a Igreja Católica tentou identificar a mulher adúltera como sendo Maria Madalena, embora o texto não mencione o nome dela. Quanto a Maria, mãe de Jesus, a igreja passou a ensinar que ela era “Virgem Perpétua”, o extremo oposto de uma adúltera.

Estaria o pai de Jesus enterrado na Alemanha? Leia aqui trecho do livro “A dinastia de Jesus”, de James Tabor:

Embora apenas Mateus e Lucas afirmem o “nascimento virgem” de Jesus, e esse ensinamento não seja encontrado em nenhuma outra parte do Novo Testamento, a crença de que a gravidez de Maria resultou da intervenção de Deus sem qualquer envolvimento masculino tornou-se um dogma teológico fundamental do cristianismo primitivo. Para milhões de cristãos, a mera sugestão de que Jesus teria sido concebido por um processo normal de reprodução sexual humana, mesmo que fosse de alguma forma santificado por Deus, é vista como um escândalo, até como uma completa heresia. Mas, por sua própria natureza, a história é um processo aberto de investigação, que não pode ser constrangido por dogmas de fé. Os historiadores são obrigados a examinar todas as provas existentes, mesmo que tais descobertas possam ser consideradas chocantes ou sacrílegas por algumas pessoas. O historiador afirma que todos os seres humanos têm um pai e uma mãe biológicos e que Jesus não constitui uma exceção. Isso abre duas possibilidades — o pai de Jesus seria José ou outro homem desconhecido. Poderia uma leitura mais histórica desses dois relatos de nascimento, à luz de todas as provas que sobreviveram, revelar o Jesus profundamente humano que a fé dogmática ocultou? Poderia uma tal revelação terminar sendo tão significativa espiritualmente quanto a crença no “nascimento virgem” — ensinamento que muitos cristãos sinceros têm certa dificuldade em aceitar literalmente?’

Os eruditos que colocam em questão a verdade literal dos relatos de nascimento feitos por Mateus e Lucas sugerem que o fato de dar a Jesus um extraordinário nascimento sobrenatural é uma maneira de afirmar a natureza divina de Jesus como “Filho de Deus”. Essa ideia de seres humanos procriados por deuses é extremamente comum na cultura greco-romana.’ Há uma legião de heróis citados como sendo o produto de uma união entre sua mãe e um deus — Platão, Empédocles, Hércules, Pitágoras, Alexandre, o Grande e mesmo César Augusto.

A ideia do homem divino (theios aner) cujo nascimento sobrenatural, capacidade de fazer milagres e morte extraordinária o separam do mundo comum dos mortais é encontrada em vários textos. Esses heróis não são deuses “eternos”, como Zeus ou Júpiter, mas seres humanos que foram elevados a um estado celeste de vida imortal. Seus templos e santuários povoavam cada cidade e cada província do Império Romano,’ na época de Jesus. É fácil imaginar que os cristãos primitivos que acreditavam em Jesus o queriam tão louvado e celestial quanto qualquer dos heróis e deuses gregos e romanos, e se apropriaram dessa maneira de contar a história de seu nascimento como uma maneira de afirmar que Jesus era ao mesmo tempo humano e divino. Os intérpretes modernos, que adotam essa abordagem para as histórias, afirmam habitualmente que José era provavelmente o pai, e que esses relatos sobrenaturais eram inventados pelos discípulos de Jesus para atribuir-lhe honras e promover seu status elevado de uma maneira comum a essa cultura.

Mas há outra possibilidade, uma explicação alternativa ao que poderia estar por trás desses relatos sobre o “nascimento virgem”, que apresenta alguns fatos extremamente sugestivos a seu favor. Quando lemos os relatos sobre a gravidez desconhecida de Maria, o que impressiona em ambos os textos é o tom subjacente de realismo que percorre as narrativas. Elas colocam em cena personagens reais, vivendo em um tempo e um espaço reais. Ao contrário, as histórias de nascimento comuns à literatura greco-romana têm seguramente um sabor legendário. Por exemplo, na narrativa de Plutarco sobre o nascimento de Alexandre, o Grande, sua mãe, Olímpia, ficou grávida de uma cobra; esse acontecimento foi anunciado por um trovão que selou seu ventre, de maneira a que seu marido, Felipe, não pudesse mais ter relações sexuais com ela.’ Sem dúvida, tanto Mateus quanto Lucas incluem sonhos e visões de anjos em seus relatos, mas o centro mesmo da história — em que um homem descobre que sua noiva está grávida e sabe que não é o pai — tem uma qualidade realista e profundamente humana. Apesar dos elementos miraculosos, a narrativa “tem um tom verdadeiro”.

E se essas histórias do nascimento virgem tivessem sido criadas não tanto para apresentar Jesus como um herói divino, no estilo greco-romano, mas para tratar de uma situação realmente chocante — a gravidez de Maria antes de seu casamento com José? Todas as quatro mulheres mencionadas por Mateus em sua genealogia tiveram relações sexuais fora do casamento, e pelo menos duas delas,ficaram grávidas. Ao nomear essas mulheres especiais, Mateus parece estar tratando implicitamente da situação de Maria.

Nossos Evangelhos dão algumas indicações de que boatos sobre a ilegitimidade já estavam circulando à boca pequena. Marcos, nosso primeiro Evangelho, escrito por volta de 70 d.C., inclui uma cena importante em que Jesus volta à sua casa em Nazaré, já adulto, suscitando rumores entre seus concidadãos. Notem com cuidado como eles falam:

Não é este o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, e de José, e de Judas, e de Simão? E não estão aqui conosco suas irmãs? (Marcos 6:3)

Mateus usa Marcos como fonte e inclui a mesma história, mas notem como, sabiamente, ele diz as coisas de outra maneira:

Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E não estão todas suas irmãs conosco? (Mateus 13:55).

Esta mudança sutil, mas crítica, na maneira de se exprimir é absolutamente reveladora:

Não é este o carpinteiro, o filho de Maria? (Marcos)

Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria? (Mateus)

Chamar Jesus de “o filho de Maria” indica que seu pai era desconhecido. No judaísmo, refere-se invariavelmente às crianças como filhos ou filhas de seu pai — não de sua mãe. Marcos nunca se refere a José, seja pelo nome ou de outra maneira qualquer. Ele evita inteiramente a questão da paternidade. Deve haver uma boa razão para este silêncio. Ao contrário, Mateus rapidamente refaz o fraseado de Marcos, de modo a que a questão da ilegitimidade não seja sequer evocada. Vemos mesmo que os manuscritos gregos posteriores do Evangelho de Marcos tentam “resolver” o escândalo, alterando o texto, de forma a falar do “filho de Maria e José”.

Há alguns manuscritos cristãos perdidos redescobertos nos últimos dois mil anos, pois contém 114 ditos de Jesus. Alguns o consideram um “quinto evangelho”, na medida em que fornece tantas peças que faltavam do ensinamento de Jesus — que de outra maneira se :criam perdido e seriam esquecidas. Mais para o fim da coletânea, na Máxima 105, JESUS diz a seus discípulos:

Alguém que conhece seu pai e sua mãe será chamado de filho de uma prostituta. (A tradução é minha. O termo”prostituta”(porne) nesse contexto é difamatório para alguém acusado de imoralidade sexual ou infidelidade).

Muitos eruditos pensam que esse dito críptico é um eco do triste rótulo que Jesus teve de enfrentar durante toda sua vida — ou seja, de que sua mãe, Maria, tinha ficado grávida fora do casamento. O Evangelho de Tomás não contém histórias sobre o nascimento ou referências a José ou ao nascimento virgem, mas parece conter uma certa reflexão sobre a história da ilegitimidade. A dedução é que a acusação era injusta, que Jesus conhecia perfeitamente as circunstâncias de seu nascimento, assim como a identidade do pai desconhecido e ausente. Assim, se o pai de Jesus não era José, quem poderia ter sido ele? E em que circunstâncias Maria foi acusada de fornicação e rotulada de “prostituta”? Provavelmente nunca o saberemos, em termos de certeza histórica. Se fôssemos preencher o certificado de nascimento de -Jesus, teríamos de colocar”pai desconhecido”. Mas essa questão não está inteiramente resolvida. Histórias e rumores circularam bastante cedo e um nome — Pantera — aparece inesperadamente aqui e ali com alguma coerência.

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Solucionado o mistério de Pantera

A primeira versão da história de Pantera vem de um filósofo grego chamado Celso. Em um trabalho anticristão intitulado Sobre a verdadeira doutrina, escrito por volta de 178 d.C., ele relata um conto em que Maria “estava grávida de um soldado romano chamado Pantera” e foi expulsa por seu marido como adúltera.’ É pouco provável que Celso tenha inventado esse nome ou a ocupação do homem que ele dá como sendo o pai fisiológico de Jesus. Ele não faz mais do que repetir o que se falava nos círculos judeus.

Esse mesmo nome aparece ainda mais cedo. O proeminente rabino Eliezer ben Hircano, que viveu por volta do fim do século I d.C., relata um ensinamento que recebeu de um seguidor de Jesus, oriundo da Galileia, chamado Jacó de Sikhnin, na cidade de Séforis. Algumas pessoas identificaram esse Jacó como o neto do irmão mais novo de Jesus, Judas. Jacó transmitia seu ensinamento “em nome de Jesus, filho de Panteri”. (Existem muitas ortografias do mesmo nome: Pantira, Pandera, Pantiri, Panteri. A história ocorre três vezes na literatura rabínica, mas o relato mais antigo se encontra no Tosefta Palestino, t. Hullin 2.24. As demais versões estão no Talmude Babilônico (b. Avodah Zarah 16b-17a) e o Midrash (Ecclesiastes Rabba 1:8:3). Há mesmo uma disputa entre os primeiros rabinos que envolve o mesmo seguidor de Jesus, chamado Jacó, sobre se se pode ou não curar uma mordida de serpente “em nome de Jesus, filho de Panter”. (Tosefta Palestino t. Hullin 2.22-23.Também se encontra uma versão no Talmude Babilônico b.Avodah Zarah 27b. Uma história de cura semelhante encontra-se no Talmude de Jerusalém, y. Shabbat 14d). Essas fontes primitivas não informam por que Jesus seria chamado “filho de Pantera” e tampouco identificam Pantera como um soldado romano, mas mostram que Jesus era identificado assim bastante cedo na Galileia, e que esse nome poderia ser usado sem necessidade de explicação ou qualificação.” Inúmeros eruditos cristãos sugeriram que Pantera fosse um termo ofensivo de gíria, um jogo com a palavra grega parthenos, que significa “virgem”, mas as duas palavras não combinam tanto assim. Outros sugeriram que Jesus estivesse sendo caluniosamente chamado de “filho de uma pantera”, com referência à natureza selvagem e lúbrica de seu verdadeiro pai. O problema que essas sugestões apresentam é que as primeiras referências a Jesus como “filho de Pantera” não são polêmicas. No judaísmo, quando se quer identificar uma pessoa, deve-se ligá-la ao nome de seu pai. Tal é o sentido claro dessas primeiras referências. Elas se destinam a identificar, não a difamar.

As provas mostram que os cristãos primitivos levavam essa tradição muito a sério e não foram capazes de desmenti-la como um rumor difamatório. Epifânio, cristão ortodoxo do século IV, afirma que há um certo grau de autenticidade na tradição de “Jesus filho de Pantera”, mas a explica pelo fato de que o pai de José era conhecido como Jacó Pantera — razão pela qual esse nome fazia parte da família. (Epifânio, Panarion (Adv. Haer.) 78.7.5 (PG 42:708D). Significativamente, em uma época tão tardia quanto o século VIII d.C., apareceram tentativas similares para “domesticar” a tradição de Pantera. João de Damasco transmite a tradição de que o bisavô de Maria era chamado Pantera. Essas tentativas pouco plausíveis para legitimar o nome de “Pantera” como parte dos ancestrais de Jesus mostra que a designação “Jesus, filho de Pantera” não poderia ser simplesmente desmentida como uma invenção maliciosa dos oponentes judeus. Sabemos que Pantera/Panthera era um nome grego que aparece em inúmeras inscrições latinas desse período, especialmente como um nome familiar de soldados romanos. De uma coisa podemos estar certos — Pantera é um nome real, não é nenhum termo inventado para difamar.

Em 1906, o grande historiador alemão Adolf Deissmann publicou um curto artigo intitulado “O nome Pantera”, em que detalha as várias inscrições antigas que utilizaram esse nome no século I e suas imediações.” Ele conseguiu demonstrar de maneira conclusiva que o nome era usado durante essa época e que era especialmente apreciado por soldados romanos. Um dos exemplos citados por ele se destaca: foi encontrado na inscrição da pedra tumbal de um certo Tibério Júlio Abdes Pantera, descoberta em um cemitério romano, em 1859, em Bingerbrück, a cerca de vinte quilômetros ao norte de Bad Kreuznach, na confluência entre os rios Nahe e Reno. Deissmann inclui uma fotografia mostrando a imagem esculpida de um soldado romano com o pescoço e a cabeça cortados e uma inscrição latina claramente preservada sob seus pés, que dizia:

Tibério Júlio Abdes Pantera, de Sidônia, 62 anos,soldado com 40 anos de serviço da 1ª. coorte de arqueiros aqui jaz. (O texto em latim diz:”Tib. lul. Abdes. Pantera. Sidonia. ann. LXII stipen. )00«. miles. exs. coh I. sagitarriorum. h.s.e.”(Corpus Inscriptionum Latinarum XIII 7514).

A inscrição de Tibério Júlio Abdes Pantera

Deissmann observa que esse “Pantera” específico morreu em meados do séculoI d.C., tendo vindo para a Alemanha proveniente da Palestina. Essa convergência improvável do nome, da data e do lugar me intrigaram. Decidi perseguir essa pedra tumbal, para descobrir os detalhes de sua descoberta e qualquer outra informação possível. Eu já tinha encontrado referências esparsas a essa tumba específica deera em vários livros mas, até onde eu sabia, ninguém ainda a tinha realmente estudado, e todo mundo estava simplesmente citando o artigo original de Deissmann, de 1906. Sem dúvida alguma, ela ainda teria muita coisa a nos ensinar. Claro que eu não tinha nenhuma prova de que essa pedra tumbal pudesse ser pelo menos localizada. Tinha ainda que imaginar quais eram as probabilidades de que ela tivesse resistido a duas guerras mundiais e de que o museu mencionado por Deissmann, em 1906, em Bad Kreuznach, ainda existisse em 2005. Localizei um site mantido pela cidade de Bad Kreuznach e me enchi de esperanças quando descobri que a cidade se vangloriava de ter um museu de antigüidades romanas chamado Rõmerhalle. Meu coração quase falhou quando li que, entre seus tesouros, encontrava-se uma coleção de pedras tumbais de soldados, descobertas na cidade vizinha de Bingerbrück. Certamente a de Tibério Júlio Abdes Pantera estaria entre elas.

Contactei a curadora do museu e fiquei satisfeito em saber que a pedra tumbal de Tibério Júlio Abdes Pantera estava a salvo e em exposição. Soube ainda que eles possuíam toda uma coleção de nove pedras tumbais de soldados romanos que tinham sido preservadas, descobertas quase por acaso no mesmo lugar, durante a construção da estação ferroviária de Bingerbrück, entre 1859 e 1861. Originalmente reunidas pela Sociedade Histórica local, foram expostas em 1933, no velho museu da cidade, sendo mais tarde transferidas para o recém-construído Rõmerhalle. Felizmente, Bad Kreuznach não fora bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial. A curadora disse também possuir um espesso dossiê nos arquivos detalhando a descoberta original, que incluía urnas funerárias e moedas, a meu dispor para consulta. Em seguida, incitada por minhas questões, ela me falou de outra descoberta que ninguém conhecia no museu. Escondida em uma reserva na parte de trás do museu, em meio a um monte de velhas telas, encontrava-se a cópia de uma pintura a óleo original, feita em 1860, que mostrava em detalhe a descoberta do cemitério romano. Decidi viajar para a Alemanha a fim de examinar pessoalmente esse material.

Há algo extremamente empolgante em uma tumba antiga, um ossuário ou uma inscrição sobre um túmulo do tempo de Jesus, e, sem dúvida, eu vira um monte deles em Israel. Mas jamais poderia imaginar que, de todos os lugares do mundo, minha busca do Jesus histórico acabasse me levando à Alemanha. Haveria uma remota possibilidade de que eu logo me visse diante do que poderia ser uma autêntica relíquia da família de Jesus? Na verdade, isso parecia fruto de uma especulação inacreditável, mas coisas mais estranhas e inesperadas já aconteceram no mundo da arqueologia. Valia a pena investigar aquele Pantera, tivesse ele ou não algo a ver com a tradição que dizia que Jesus era o “filho de Pantera”.

Essas eram as perguntas que enchiam minha mente no verão de 2005, quando voei para Frankfurt, na Alemanha, e tomei um trem matutino para a pequena cidade Bad Kreuznach, a uma hora ao sudoeste do rio Nahe. Bad Kreuznach era um importante postos avançado na época romana, e a região que o rodeava estava povoada de antigas ruínas romanas. (Até pouco tempo, Bad Kreuznach era o quartel-general da 1, Divisão Blindada do Exército dos Estados Unidos. Essa importante base foi fechada em dezembro de 2001). Não é difícil esquecer como essa fronteira alemã era importante para os romanos na época de Jesus. Era como o Vietnã ou o Iraque daqueles dias. Inúmeros soldados romanos eram transferidos para esses postos avançados na Alemanha, e milhares deles morreram e foram enterrados ali. Mas o que teria isso a ver com o pai de Jesus?

No museu Rõmerhalle, eu tive bastante tempo de fotografar, medir e examinar atentamente essas pedras tumbais, especialmente a de Tibério Júlio Abdes Pantera. Comecei também a ler os relatórios originais de sua descoberta, desde 1859. Lentamenente, iniciei a montagem das provas, e uma imagem extraordinária começou a emergir. Convenci-me de que não se devia logo rejeitar inteiramente uma possível associação entre esse soldado romano em particular e a tradição relacionada ao pai de Jesus, apenas porque soava ofensiva à piedade e à fé. Todos os fatos relevantes deveriam ser propostos e cuidadosamente considerados.

James Tabor examinando a sepultura de Pantera na Alemanha

Soube que três pedras tumbais, incluída a de Pantera, tinham sido inicialmente descobertas nos dias 19 e 20 de outubro de 1859, a cerca de trinta quilômetros do rio Nahe. A inscrição portava formalmente o nome completo de Pantera, Tibério Júlio Abdes Pantera, sendo este último seu sobrenome. Os nomes Tibério Júlio são cognomes ou nomes adquiridos, que indicam que Pantera não era um romano nato, mas um antigo escravo libertado, que recebeu os direitos de cidadania de Tibério César, por seus serviços no exército. Normalmente, os indivíduos se alistavam por 25 anos, mas Pantera fez carreira no exército, servindo durante quarenta anos até sua morte, aos 62 anos. Como o Imperador Tibério assumiu o poder em 14 d.C., pode-se pressupor que a morte de Pantera, aos 62 anos, ocorreu alguns anos depois, provavelmente por causas naturais, pois ele se alistara no exército aos 22 anos.

Abdes é o primeiro nome de Pantera, coisa extremamente interessante. Esse nome é a versão latinizada do nome aramaico ebed, que significa “servo de Deus”, o que indica que Pantera era de origem semítica, ou mesmo judaica, fosse ele nativo, convertido ou de uma família simpática ao judaísmo. Pode até mesmo ter sido judeu. Pantera é um nome grego, embora apareça aqui em uma inscrição latina.Em 1891, o arqueólogo francês Charles Clermont-Ganneau fez uma descoberta surpreendente. Em uma tumba judaica do século I, na Estrada de Nablus, ao norteda Cidade Velha de Jerusalém, havia um ossuário com o nome Pentheros, em grego,junto com o de um certo Josepos ou José, filho desse Pantera. Os enterros indicam que ambos eram judeus, o que nos dá uma prova definitiva de que o nome Panteraera usado na época de Jesus tanto por judeus quanto por romanos. (A ligeira diferença de ortografia é insignificante e comum em nomes gregos adotados por semitas. Sobre essa descoberta, consulte o Corpus Inscriptionum Judaicarum 1211).

Abdes Pantera era originário de Sidônia, uma cidade costeira da Síria-Palestina, ao norte de Tiro, a menos de sessenta quilômetros de Séforis. Sabe-se que essa coorte específica de guerreiros tinha vindo da Palestina para a Dalmácia (Croácia), no ano 6 d.C., tendo sido depois transferida para a região dos rios Reno/Nahe em 9 d.C. Não provoca surpresa o fato de que Pantera tenha morrido e sido sepultado na Alemanha, como tantos outros soldados romanos que lutavam nessas terríveis guerras de fronteira na época de Jesus. Augusto chegou mesmo a transferir Varo, o legado da Síria, para o comando das legiões romanas ao norte dessa área da Alemanha. Os romanos ocuparam postos avançados na Alemanha, e o cemitério de Bingerbrück fornece provas de que alguns veteranos passaram suas vidas inteiras nessa fronteira. As nove outras pedras tumbais parecem datar do mesmo período — meados ao fim do século I d.C. — se nos baseamos nas provas fornecidas pelasmoedas, pelo estilo das pedras tumbais e pelo conteúdo de suas inscrições. O quadro de 1860 retratando a descoberta do cemitério de Bingerbrück mostra claramente que também foram descobertas urnas funerárias contendo as cinzas e os ossos dos falecidos. Os documentos mais antigos indicam que a maior parte dessas urnas foi destruída no processo de escavação, mas uma delas foi conservada. Não se sabe exatamente onde ela se encontra, embora haja algumas pistas. Não pude deixar de me indagar se o destino fora o responsável pela preservação dos restos de Tibério Júlio Abdes Pantera. Só o tempo poderá dizer.

Assim, o que se pode concluir com relação a Abdes Pantera? Haverá uma remota esperança de que, entre as milhares de inscrições funerárias desse período, essa possa ser a pedra tumbal do pai de Jesus — ainda por cima, na Alemanha? As possibilidades parecem ser mínimas, mas essas provas não devem ser imediatamente abandonadas. Pantera era um soldado romano, provavelmente um judeu; ele era nativo da Síria-Palestina, ao norte da Galileia e contemporâneo de Maria, mãe de Jesus. Temos assim o nome, a profissão, o lugar e o tempo corretos. Não há maneira de estabelecer uma ligação com esse tipo de prova — a não ser por testes de DNA de restos identificáveis.

É também importante não pensar que ser filho de um soldado romano tem forçosamente uma conotação negativa. João Batista tinha relações harmoniosas com os soldados romanos que vinham ouvi-lo: uma das primeiras descrições que se tem indica que João chegou mesmo a batizar alguns soldados romanos, que fizeram parte do movimento messiânico iniciado por João e seu parente Jesus (Lucas 3:14). Vários oficiais romanos foram elogiados por sua espiritualidade e sua piedade no Novo Testamento, e alguns deles fizeram parte dos primeiros discípulos de Jesus. (7) Na verdade, Jesus elogiou um centurião romano em Cafarnaum, uma cidade do Mar da Galileia, por ter mais fé do que qualquer pessoa que ele jamais tivesse encontrado — incluindo seus colegas judeus (Lucas 7:9). Outro centurião romano declarou, no momento da morte de Jesus,”Verdadeiramente, esse homem era o Filho de Deus” (Marcos 15:39).

Certas pessoas que dão peso histórico à tradição de “Jesus filho de Pantera” sugerem que talvez Maria tenha sido violada por um soldado romano. Tal possibilidade existe, se levarmos em conta os tempos e as circunstâncias turbulentas envolvendo o nascimento de Jesus. Por chocante que tal ideia possa parecer no início, alguns fizeram desse cenário uma prova indiscutível de aceitação e amor incondicionais, certamente por parte de Maria, como mãe, mas também por parte de José, como o marido que aceitou adotar a criança como sua. Maria pode também ter ficado grávida numa relação que ela tivesse escolhido, o que seria uma alternativa. Como nada se sabe das possíveis circunstâncias da gravidez de Maria e de sua relação com o pai de Jesus, fosse ele ou não um soldado romano, não há nenhuma razão para postular algo feio ou sinistro. Não possuímos nenhum detalhe sobre as circunstâncias que levaram Maria a ficar noiva de José. Teria ela participado voluntariamente de um casamento arranjado com um homem mais velho? Teria ela mantido uma relação anterior com outro homem? Estaria ela já grávida, mesmo antes de seu noivado com José? Talvez o responsável tivesse deixado a região desconhecendo aquela gravidez. Nosso Pantera enterrado na Alemanha deveria ser um homem mais jovem, aproximadamente da idade de Maria na época do nascimento de Jesus. Do ponto de vista do historiador, essa questão específica deveria ser deixada em aberto. Embora Mateus e Lucas representem Maria como tendo ficado grávida depois de seu noivado, como nenhum deles acredita que Jesus tenha tido um pai humano, essa representação não deve ser tomada como a última palavra. Maria pode perfeitamente ter ficado grávida antes de seu noivado, que foi então arranjado pela família e aceito por José com conhecimento de causa. Minha hipótese é que simplesmente não sabemos — e assim, não devemos emitir julgamentos ou afirmações negativas ao ouvir a expressão “soldado romano”. Provavelmente os inimigos de Jesus a transformaram na pior coisa do mundo, usando livremente os rótulos de “fornicação” e “prostituta”. Não há nenhuma razão para que endossemos suas afirmações. Quando se trata de escândalos familiares, gravidezes antes do casamento ou noivados rompidos, os boatos de rua de uma aldeia rural da Galileia são a última coisa para a qual devemos nos voltar, quando buscamos a objetividade.

Outra peça que pode ser significativa nesse quebra-cabeça ‘e uma das histórias mais curiosas escritas por Marcos, nosso primeiro evangelista. Lembrem-se de que foi Marcos quem chamou Jesus de “filho de Maria”, e nunca mencionou José ou o nascimento de Jesus. É ele quem, de repente, relata uma viagem misteriosa de Jesus quando pregava às margens do Mar da Galileia:

E levantando-se dali, foi para as regiões de Tiro e Sidônia. E entrando numa casa, queria que ninguém o soubesse, mas não pôde esconder-se (Marcos 7:24).

Sabe-se também que, ao voltar, retornou ao Mar da Galileia pela Sidônia, o que não é o caminho mais direto (Marcos 7:31). Isso nunca foi verdadeiramente explicado por ninguém. Não tendo a menor ideia do que fazer com essa história, Lucas simplesmente a deixa cair. Mateus a inclui, mas apaga cuidadosamente a parte em que Jesus entra em uma casa particular onde é conhecido, e elimina os detalhes referentes ao caminho de volta ao longo da Sidônia (Mateus 15:21, 29). Talvez ele julgasse que essa informação não fosse significativa, ou talvez quisesse evitar que seus leitores colocassem a pergunta óbvia — por que Jesus deixaria abruptamente o território de Herodes Antipas, na Galileia, e viajaria para a Síria, para as regiões costeiras de Tiro e Sidônia? E que casa é essa, que ele conhece e onde entra tão secretamente? Lembrem-se, essas cidades não são judaicas.

É também digno de nota que Jesus sempre elogie as cidades de Tiro e Sidônia como sendo potencialmente mais abertas à sua mensagem do que as cidades da Galileia, onde pregava com mais freqüência (Lucas 10:14). Tiro e Sidônia não são regiões tão distantes assim da Galileia, e sabemos que multidões dessas duas cidades vinham para a margem norte do Mar da Galileia ouvir a pregação de Jesus (Lucas 6:17). Da mesma maneira que os soldados romanos recebem um tratamento favorável nos Evangelhos, há também uma percepção bastante favorável dessas duas cidades costeiras gentias. Será possível, ou até mesmo provável, que exista uma relação?

Parece que a natureza brusca da história que Marcos recebeu por vias estranhas sugere algo mais.

Estou convencido de que nossa melhor prova indica que José, que se casou com Maria já grávida, não era o pai de Jesus. O pai de Jesus permanece desconhecido, mas chama-se possivelmente Pantera e, nesse caso, é bastante provável que seja um soldado romano. A pedra tumbal da Alemanha, seja ela do pai de Jesus ou não, tal como as tumbas e os ossuários que estudamos em Jerusalém, nos recordam que esses nomes associados com a família de Jesus estão baseados nas provas materiais que a arqueologia continua a descobrir. Esses personagens eram seres humanos reais que viveram e morreram em um passado que se torna cada dia mais acessível para nós. Jesus não era o filho de José, mas Maria estava casada com ele e teve outros filhos depois de Jesus. Assim, poder-se-ia pensar que José era o pai do resto da família — mas como acontece freqüentemente, quando se trata de assuntos familiares, especialmente de uma família real, as coisas não são tão simples assim.

(James Tabor – A dinastia de Jesus)

NOTA – James D. Tabor – nascido no Texas , Estados Unidos – é um professor do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade da Carolina do Norte, em Charlotte, onde leciona desde 1989. Possui doutorado em Estudos Bíblicos, conferido pela Universidade de Chicago, e é especialista nos Manuscritos do Mar Morto.

http://divagacoesligeiras.blogs.sapo.pt/teria-jesus-um-pai-desconhecido-432601

 

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